
Havia um silêncio estranho naquela sala.
Não era o silêncio das palavras contidas, nem das lágrimas contidas.
Era um silêncio que brotava dos pés.
Lá estavam eles: os sapatos.
Gastos. Feridos pela estrada.
Sapatos que não brilham nos olhos do mundo, mas que falam aos que sabem escutar.
Francisco partiu como viveu: pequeno diante dos homens, imenso diante de Deus.
Seus pés, que atravessaram terras e corações, agora repousam em sapatos que não carregam marcas de luxo, mas cicatrizes de amor.
Pensei então nos sapatos que hoje desfilam em tantos altares:
Sapatos de verniz polido, prontos para os holofotes.
Sapatos que nunca pisaram no barro da dor nem sentiram o calor do chão da vida real.
Sapatos que servem mais ao aplauso que à compaixão.
E ali, diante dos sapatos gastos de Francisco, compreendi:
Deus nunca pediu que atravessássemos o deserto de salto alto.
Ele apenas pediu que caminhássemos — e que amássemos.
Que a nossa fé não se perca na poeira dourada da ostentação.
Que nossos passos, ainda que invisíveis aos homens, sejam memoráveis aos olhos de Deus.
No fim, não serão os sapatos caros que abrirão as portas do Reino.
Serão os sapatos gastos —
aqueles que se consumiram no caminho do amor.
“Alguns sapatos brilham. Outros apenas caminham. É desses últimos que o Reino é feito.”
Para aqueles que escolhem a simplicidade de servir em vez do espetáculo de ser visto.
Autor: Melquisedeque J Santos