O Natal e o Deus da Mangedoura
24 de dez de 2024 - 14:37:03

A narrativa do nascimento de Jesus em Lucas 2,7 é um convite a revisitar profundamente a imagem que construímos de Deus. A cena de Maria envolvendo o Menino em panos e colocando-O numa manjedoura nos desafia a confrontar expectativas, ideias e até ilusões que nutrimos sobre quem Deus é e onde Ele se encontra. Essa simplicidade desconcertante nos leva a uma verdade fundamental do cristianismo: Deus se manifesta não no extraordinário das grandezas humanas, mas no ordinário da vida comum.

Deus na Fragilidade

O Natal nos apresenta um Deus que se esvazia, que abdica da glória e do poder para habitar em meio às fragilidades humanas. Como Paulo escreve aos Filipenses, “esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo” (Fp 2,7). Não é esse um grande paradoxo? Aquele que criou todas as coisas escolhe ser vulnerável, depender de uma jovem mãe e de um carpinteiro para sobreviver, e encontrar repouso em uma estrebaria. Este Deus contraria toda a lógica humana que associa força à distância e poder ao domínio. Ele é Emanuel, “Deus conosco”, que faz da nossa pobreza e limitações o seu trono.

Deus nos “Sem Lugar”

A ausência de espaço na hospedaria e a escolha da manjedoura revelam o coração de Deus: Ele se identifica com os marginalizados, os excluídos, os que vivem “sem lugar”. Ao nascer em um estábulo, Jesus mostra sua solidariedade com os que não têm teto, com os deslocados, com aqueles que o sistema rejeita. Ele não apenas visita esses lugares; Ele os escolhe. O Deus cristão não é distante, mas profundamente próximo, caminhando conosco nas sombras mais densas da vida.

Esse Jesus da manjedoura é um escândalo para uma sociedade que valoriza o status e os privilégios. Ele subverte toda expectativa de grandeza divina, e ao fazê-lo, revela que a verdadeira grandeza é estar presente no sofrimento, na vulnerabilidade e na esperança.

O Gesto de Maria: Um Chamado à Acolhida

A imagem de Maria envolvendo o Menino nos convida a fazer o mesmo: acolher o Deus que se entrega. Esse gesto humano e simples é profundamente teológico, pois manifesta a proximidade de Deus com a nossa humanidade. Deus não se impõe; Ele espera ser acolhido. E mais do que isso, Ele deseja ser colocado exatamente onde muitas vezes não queremos olhar: nas manjedouras das nossas almas, nos lugares escuros e rejeitados que preferimos evitar.

Maria nos ensina que Deus não se encontra apenas no silêncio das orações ou na solenidade dos rituais, mas também no caos das nossas vidas diárias. Ele está presente nos gestos mais ordinários e, muitas vezes, nos espaços mais inesperados.

Deus Presente no Comum e no Doloroso

O Natal nos lembra que Deus não se revela apenas no extraordinário, mas no vulgar e comum. Ele está no pranto do recém-nascido, no trabalho dos pastores, na quietude de uma noite fria. Ele está presente na alegria de um abraço e na dor de uma despedida. Sua presença nos tempos difíceis é uma luz que brilha nas trevas, uma esperança que insiste em permanecer, mesmo quando o mundo parece desmoronar.

Em um mundo marcado pela ansiedade, polarização e dor, essa mensagem é urgente. Deus não é alheio às nossas lutas; Ele é solidário com os que sofrem. Sua encarnação é a prova definitiva de que Ele não nos abandona, mas caminha conosco.

Conclusão: Colocar Jesus na Manjedoura da Vida

Nesse Natal, somos convidados a um duplo movimento: primeiro, reconhecer que Deus já está presente, oferecendo amor, cuidado e proximidade. E segundo, decidir onde colocaremos Jesus em nossas vidas. Como Maria, podemos acolhê-Lo e colocá-Lo onde ninguém mais quer estar — nos lugares mais sombrios e difíceis de nossa alma, nas nossas "manjedouras". É precisamente nesses espaços que a luz divina deseja brilhar.

Que esse Natal seja um tempo de reencontro com o Deus da fragilidade, do cotidiano e da proximidade. Que possamos abraçar o Emanuel, permitindo que Ele transforme nossas dores em esperança e nossa escuridão em luz. Assim, descobriremos que, mesmo nas grutas mais profundas, Deus está conosco.

Autor: Melquisedeque J Santos.