“Xondaro Ambiental” fortalece Guaranis Mbya na proteção de territórios em Iguape
22 de ago de 2025 - 13:12:33

Por: Melquisedeque J. Santos – Vale Jornalismo Online

Entre os dias 12 e 13 de agosto, Iguape recebeu um encontro que pode marcar um novo capítulo na relação entre povos indígenas e conservação ambiental. Em duas oficinas de capacitação, 46 Guaranis Mbya de seis aldeias diferentes aprenderam técnicas de monitoramento e vigilância de seus territórios, dentro do projeto “Xondaro Ambiental: tecendo o fortalecimento cultural Guarani”, realizado pelo Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Cidadania do Vale do Ribeira (IDESC), em parceria com as lideranças indígenas, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

O termo “xondaro” significa guardião em Guarani, e foi justamente essa identidade que norteou a iniciativa: preparar os indígenas para protegerem não apenas a floresta, mas também sua própria cultura e autonomia. As primeiras ações do projeto se voltaram para as Terras Indígenas Guaviraty, de 1.248 hectares, e Ka’aguy Hovy, de 1.950 hectares, ambas sobrepostas à Área de Proteção Ambiental de Cananéia-Iguape-Peruíbe (APACIP), que possui mais de 202 mil hectares. Essa sobreposição cria um cenário de integração de gestão territorial, em que a participação indígena se mostra decisiva para a conservação da biodiversidade.

Guaranis Mbya na TI Ka’aguy Hovy durante apresentação musical. Créditos: Juliana Di Beo

 

As oficinas contaram com apresentações institucionais, momentos culturais com música e dança tradicional, além de atividades práticas de monitoramento. O engenheiro florestal Daniel Malvicino Nogueira, da Lumiar Socioambiental, ensinou o uso de aplicativos como Wikiloc e Timestamp, que serão utilizados para registrar trilhas e ocorrências georreferenciadas. Foram entregues celulares aos participantes e apresentado um protocolo de comunicação para relatar situações de risco ou ameaça, como invasões, caça e pesca ilegais, contaminação de nascentes e qualquer atividade predatória. A orientação é que esses registros sejam encaminhados diretamente às instituições competentes, como Funai, ICMBio e polícias, garantindo a segurança das comunidades e a legalidade do processo.

Cacique Alexandre e o chefe do NGI ICMBio Iguape Eliel Souza no primeiro dia de oficina. Créditos: Juliana Di Beo

Os indígenas também participaram de exercícios de cartografia social, desenhando em cartolina mapas de seus territórios, nos quais destacaram rios, nascentes, áreas de plantio, campos de futebol e espaços de reza. Essa atividade revelou como o conhecimento tradicional complementa os mapas oficiais, muitas vezes carentes de informações específicas e estratégicas sobre o território. Para as instituições, essa troca é fundamental para a gestão integrada, já que permite compreender o território a partir da visão e da experiência de quem o habita.

O chefe do Núcleo de Gestão Integrada do ICMBio em Iguape, Eliel Pereira de Souza, ressaltou a importância dessa parceria. “O ICMBio hoje entende que os povos indígenas são aliados na conservação. Onde há presença de populações indígenas, a preservação da biodiversidade é mais efetiva”, destacou. Já a Funai, representada por Marco Mitidieri, apresentou a situação fundiária das terras. A TI Guaviraty já está declarada, mas aguarda homologação e registro na Secretaria do Patrimônio da União, enquanto a TI Ka’aguy Hovy ainda se encontra em fase menos avançada, dependendo de declaração e demarcação física. Mitidieri reforçou a necessidade de os indígenas compreenderem esse processo, assegurado pelo Decreto nº 1.775/1996.

O coordenador do projeto, André Rodrigues, frisou que a proposta vai além do monitoramento. O objetivo central é fortalecer a comunicação entre os Guarani e os órgãos de fiscalização, garantindo que as denúncias de ameaças sejam encaminhadas corretamente e que os indígenas tenham voz ativa na gestão de suas terras. Além disso, o projeto prevê mutirões comunitários para a construção e reforma de Casas de Reza, viveiros de mudas e plantios de roças tradicionais, iniciativas que unem espiritualidade, território e sustentabilidade.

Jovem guarani com ajuda do cacique Alexandre da aldeia Guaviraty retratam o mapa de seu território. Crédito: Juliana Di Beo

 

O Xondaro Ambiental integra o Projeto GEF Mar, com financiamento do Fundo Global para o Meio Ambiente, via Banco Mundial, e gestão do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio). A iniciativa também conta com parceiros locais, como a REMAR, a UNESP de Registro e a CATI. Mais do que um projeto técnico, a ação representa uma aposta no protagonismo indígena como caminho para a conservação da Mata Atlântica e para a garantia de direitos constitucionais.

No contexto em que a demarcação de terras indígenas ainda enfrenta resistências políticas e jurídicas, a imagem dos jovens guaranis caminhando com celulares em mãos para registrar e proteger suas terras sintetiza um tempo de mudanças. Guardiões de um conhecimento ancestral, agora somam a tecnologia à tradição para manter viva a floresta e sua própria cultura.

 FONTE: Juliana Di Beo (Bolsista GEF-Mar/ NGI ICMBio Iguape)